Por esta razão, os
três amigos não puderam persuadir Jó. Seu ministério era de uma natureza
parcial e, em vez de fechar a boca de Jó, só conseguiram levá-lo a um campo de
discussão que parecia interminável.
Jó, então, não deixa
de lhes responder palavra por palavra, e de agregar muitas mais: "Na
verdade, que só vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria.
Também eu tenho um
coração como vós, e não vos sou inferior; e quem não sabe tais coisas como
estas?" (12:2-3). "Vós, porém, sois inventores de mentiras, e, vós
todos, médicos que não valem nada. Oxalá vos calásseis de todo, que isso seria
a vossa sabedoria!" (13:4-5).
"Tenho ouvido
muitas coisas como estas, todos vós sois consoladores molestos. Porventura não
terão fim estas palavras de vento? Ou que te irrita, para assim responderes?
Falaria eu, também, como vós falais, se a vossa alma estivesse em lugar da
minha alma? Ou amontoaria palavras contra vós e menearia contra vós a minha
cabeça?" (16:2-4).
"Até quando
entristecereis a minha alma, e me quebrantareis com palavras? Já dez vezes me
envergonhastes; não tendes vergonha de contra mim vos endurecerdes? (...)
Compadecei-vos de mim, amigos meus, compadecei-vos de mim, porque a mão de Deus
me tocou." (19:2-3, 21).
Todas estas expressões
demonstram que Jó estava longe de ter esse espírito quebrantado e essa atitude
humilde que surgem como resultado de estar na presença de Deus. Sem dúvida, seus
amigos estavam errados, completamente errados em suas noções acerca de Deus
tanto quanto em suas maneiras de tratar com Ele.
Mas seus erros não
justificavam a Jó. Se a sua consciência tivesse estado na presença de Deus, ele
não teria respondido aos seus amigos, ainda quando o seu erro tivesse sido mil
vezes maior e a sua maneira de tratá-lo, mil vezes mais severa. Teria inclinado
a cabeça com humildade e permitido que a maré das repreensões e acusações o
atropelasse.
Teria se beneficiado
com a mesma severidade dos amigos ao considerá-la como uma disciplina saudável
para o seu coração. Mais não; Jó ainda não tinha conseguido acabar consigo
mesmo. Se justificava a si mesmo, proferia invectivas contra os seus
semelhantes e estava cheio de pensamentos errados acerca de Deus.
Necessitava outro
ministério que o conduzisse a uma atitude correta da alma diante de Deus.
Quanto mais detidamente estudamos as extensas discussões que se sucederam entre
Jó e os seus amigos, com maior claridade advertimos a impossibilidade de que
eles alguma vez se entendessem. Jó estava determinado a justificar-se a si
mesmo; enquanto que os seus amigos tentavam por todos os meios de culpá-lo.
Ele permanecia
inquebrantável, e o tratamento errados dos seus amigos só conseguiu endurecer
ainda mais a sua posição. Se tanto ele quanto seus amigos tivessem adotado uma
outra atitude, as coisas teriam sido completamente diferentes.
Se Jó se tivesse
condenado a si mesmo, se tivesse assumido uma posição humilde, se tivesse
considerado que não era nada nem ninguém, não haveria dado espaço a que seus
amigos dissessem nada. E se, por outra parte, eles se tivessem dirigido a ele
com suavidade, com ternura e com doçura, teriam mais possibilidades de amolecer
seu coração.
Como estavam dadas as
coisas, não se vislumbrava saída alguma. Jó não podia ver nada de mau em si
mesmo; seus amigos não podiam ver nada de bom nele. Ele estava firmemente
decidido a manter a sua integridade; eles, porém, a remover até achar manchas e
defeitos. Na havia nenhum tipo de aproximação entre eles, nenhuma base em comum
sobre a qual se entenderem.
Jó não mostrava
indícios de arrependimento; eles não tinham nenhuma compaixão dele. viajavam em
direções opostas e, por tanto, jamais poderiam encontrar-se. Concretamente,
faltava um ministério de uma natureza completamente diferente; e este
ministério é introduzido na pessoa de Eliú.
O acertado ministério
de Eliú
"Então aqueles
três homens cessaram de responder a Jó; porque era justo aos seus próprios
olhos. E acendeu-se a ira de Eliú, filho de Baraqueel, o buzita, da família de
Ram: contra Jó se acendeu a sua ira, porque se justificava a si mesmo, mais do
que a Deus.
Também a sua ira se
acendeu contra os seus três amigos: porque, não achando que responder, todavia
condenavam a Jó" (32:1-2). Eliú, com uma lucidez e um vigor extraordinários, vai
direito ao centro do problema em cada uma das partes.
Resume, em duas breves
sentenças, as extensas discussões que abarcaram 29 capítulos. Jó se justificava
a si mesmo em vez de justificar a Deus; seus amigos, por outra parte, o tinham
condenado em vez de guiá-lo ao julgamento de si mesmo. É de transcendental
importância moral ver que quando nos justificamos a nós mesmos, condenamos a
Deus; em tanto que, quando nos condenamos, O justificamos a Ele.
"A sabedoria é
justificada por todos os seus filhos" (Lucas 7:35). Esta é uma grande verdade.
O coração realmente contrito e quebrantado reivindicará a Deus custar o que
custar. "Sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como
está escrito: Para que sejas justificado nas tuas palavras, e venças quando
fores julgado" (Romanos 3:4).
Deus, finalmente,
haverá de sair vitorioso, e lhe dar a Ele a primazia agora, é o caminho
da verdadeira sabedoria. Tão pronto como a alma é humilhada mediante o reto
juízo de si mesma, Deus, com toda a majestade de Sua graça, se apresenta ante
ela como Justificador.
Mas entretanto sejamos
governados por um espírito de justificação própria e de auto-satisfação,
desconheceremos por completo a sublime bem-aventurança do homem a quem Deus lhe
imputa justiça sem obras. A maior insensatez da que nós podemos sermos culpados
é a de justificarmos a nós mesmos; já que Deus, em tal caso, deverá imputar-nos
pecado.
Mas a verdadeira
sabedoria consiste em condenar-se totalmente a si mesmo, pois deste modo Deus
se torna Justificador. Mas Jó ainda não havia aprendido a caminhar por esta
senda maravilhosa e bendita. Ainda estava revestido de sua própria justiça.
Ainda achava plena
complacência em si mesmo. Por isso Eliú se acendeu de ira contra ele. A ira
haverá de cair com certeza sobre a própria justiça. Não poderá ser de outra
maneira. O único terreno legítimo para o pecador e o de um sincero
arrependimento.
Ali não se encontra
mais que a pura e preciosa graça que reina "pela justiça mediante Jesus
Cristo, Senhor nosso".
Nela permanece
impassível por sempre. À própria justiça não lhe espera outra coisa senão a
ira; mas ao eu julgado, só a graça. Querido leitor, lembre-se disto.
Detenha-se uns instantes e considere.
Em que terreno você se
encontra? Tem se inclinado ante Deus com um verdadeiro arrependimento? Tem se
medido em verdade alguma vez em Sua santa presença? Ou se encontra no terreno
da sua própria justiça, da sua justificação pessoal e da sua auto-satisfação?
Lhe rogamos encarecidamente que sopese estas solenes perguntas.
Não as desconsidere. O
nosso desejo é chegar ao coração e à consciência do leitor. Não apontamos
meramente ao seu entendimento, a sua mente ou ao seu intelecto. Sem dúvida, é
bom tentar iluminar o entendimento pela Palavra de Deus; mas lamentaríamos
profundamente se todo o nosso trabalho tivesse que acabar ali.
Há muito mais do que
isso. Deus quer operar no coração, na alma, no homem interior. Ele quer nos ter
diante dEle em nosso real estado. De nada vale que edifiquemos a nossa própria
opinião; pois nada pode ser mais seguro do que o fato de que toda a nossa obra,
construída com tais materiais, será demolida.
O dia do Senhor estará
contra toda exaltação e altivez; é sábio, pois, ocupar agora uma posição
humilde e ter um coração culpado, já que, quando somos humildes, apreciamos com
a maior claridade a Deus e a sua salvação.
Que o irmão penetre,
com o poder do Espírito, na realidade de todas estas coisas!
Que todos lembremos
que Deus se deleita em ver um espírito contrito e quebrantado, e que Ele sempre
encontra Sua morada com os tais, mas ao altivo olha desde longe!
Assim sendo, podemos
entender por que a ira de Eliú se acende contra Jó. Ele estava do lado de Deus.
Jó, porém, não. Não ouvimos falar a Eliú senão até o capítulo 32, embora é de
tudo evidente que tinha sido um ouvinte atento durante toda a discussão, havia
prestado ouvidos pacientemente às duas partes, achando que ambas estavam
erradas.
Jó fez mal em tratar de se defender; seus amigos, em
tratar de condená-lo.
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