JÓ E SEUS AMIGOS---PARTE---07
Agora bem, o que sabia Jó de tudo isto? Nada.
Como podia saber o que não foi revelado senão cinco séculos depois dele?
A medida do conhecimento de Jó se põe de
manifesto ao ler as suas veementes e comovedoras palavras ao final do capítulo
19: "Quem me dera, agora, que as minhas palavras se escrevessem! Quem
me dera que se gravassem num livro!
E que, com pena de ferro, e com chumbo, para
sempre fossem esculpidas na rocha! Porque eu sei que o meu Redentor vive e que,
por fim, se levantará sobre a terra.
E, depois de consumida a minha pele, ainda em
minha carne verei a Deus.
Vê-lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, o verão; e por isso, os
meus rins se consomem dentro de mim."
(19:23-27).
Este era o conhecimento de Jó seu credo. Num
sentido, o seu conhecimento era grande; mas, em comparação com o extenso e
proeminente círculo de verdades em meio ao qual temos o privilégio de sermos
introduzidos, é muito pequeno.
Jó olhava para a frente, através de um
enfraquecido crepúsculo, para algo que havia de cumprir-se num porvir distante.
Nós, em cambio, desde o topo das águas da
revelação divina, olhamos atrás, a algo consumado. Jó pode dizer do seu
Redentor que "por fim se levantará sobre a terra". Nós sabemos
que o nosso Redentor, depois de ter vivido, trabalhado e morrido na terra,
sentou-se à destra do trono da Majestade nos céus.
Em resumidas contas, a medida da luz e dos
privilégios de Jó não admite comparação com o que nós gozamos; e por isso nós
temos menos escusas para entregar-nos às diversas formas de egotismo ou de amor
princípio que se manifestam em nós. Nossa renuncia própria deve ir em proporção
à medida dos nossos privilégios espirituais. lamentavelmente, nem sempre é
assim.
Professamos as mais elevadas verdades; mas elas
não formam o nosso caráter nem governam a nossa conduta. Falamos da nossa
vocação celestial, mas os nossos caminhos são terrenos e algumas vezes, carnais
ou ainda piores.
Professamos desfrutar a mais alta posição; mas o
nosso estado prático não é consoante com ela. A nossa verdadeira condição não
responde a nossa assumida posição. somos presumidos, susceptíveis, teimosos e
facilmente irritáveis. Somos tão propensos a embarcar-nos na empresa da
justificação própria como o nosso patriarca Jó.
Por outra parte, quando nos sentimos obrigados a
dirigir-nos a alguém em atitude e tom de repreensão, com quanto rudeza,
brutalidade e aspereza desempenhamos esta necessária tarefa! Que pouco tato e
que pouca suavidade no tom!
Quanto falta de doçura e de ternura! Que pouca
bondade, que pouco de esse "bálsamo excelente" (Salmo 141:5). Que
difícil é achar entre nós corações quebrantados e olhos chorosos! Que miserável
capacidade para conduzir o nosso irmão extraviado a curvar a testa e a
humilhar-se! A que se deve?
Simplesmente a que nós mesmos não cultivamos o
hábito de curvar a nossa testa e de humilhar-nos. Se, por um lado, permitimos,
como Jó, dar liberdade ao nosso egotismo e a nossa própria justificação,
seremos, por outro lado, tão incapazes como os seus amigos de provocar em nosso
irmão o juízo de si mesmo.
Quão freqüentemente fazemos alarde da nossa
experiência, como Elifaz; ou gostamos de um espírito legalista, como Zofar; ou
introduzimos a autoridade humana, como Bildade!
Quão pouco se vê em nós o espírito e a mente de
Cristo! Quão pouco se vê o poder do Espírito Santo ou a autoridade da Palavra
de Deus!
Não é nada agradável escrever estas coisas. Ao
contrário. Mas sentimos que é o nosso dever fazê-lo. Nos aflige sobremaneira
ver e isto com a maior solenidade a crescente frivolidade e indiferença da
época em que vivemos.
Nada é mais aterrador que a desproporção entre a
nossa profissão e a nossa prática. Se professam as mais elevadas verdades em
relação imediata com uma mundanalidade e uma licencia grosseiras.
Em alguns casos, pareceria como se o caminhar
fosse ainda mais baixo quanto mais elevadas são as doutrinas professadas. Vemos
em meio de nós uma extensa difusão da verdade, mas, onde está o seu poder
formativo?
Torrentes de luz derramam na inteligência, porém,
onde estão os profundos exercícios de coração e de consciência na presença de
Deus?
A regra de apresentar a verdade de maneira
precisa e exata se cumpre com extremo rigor, mas, onde estão os resultados
práticos? Desenvolve-se a sã doutrina segundo a letra, mas, onde está o
espírito? Vemos a forma das palavras, mas, onde está a representação vivente?
Queremos dizer com isto que não apreciamos a sã doutrina?
Queremos dizer que subestimamos a ampla difusão
das preciosas verdades da Palavra em suas formas mais elevadas? Longe, longe de
nós esse pensamento!
A linguagem humana seria insuficiente para
expressar a nossa estima por estas coisas. Que Deus nos guarde de escrever um
última linha que pudesse de alguma forma fazer minguar na mente do leitor o
inefável valor e a importância de manter uma elevadíssima em rigor, a mais
elevada norma de verdade, tanto quanto uma Sua doutrina.
Estamos plenamente persuadidos de que jamais
melhoraremos a nossa conduta rebaixando embora fosse só pela grossura de um
cabelo a medida dos princípios de Deus. Más, querido leitor, lhe perguntamos
com amor e solenidade: não lhe aflige o fato de que em meio de nós exista tão
trágica ausência de consciências delicadas e de corações exercitados?
Marcha parelha a nossa piedade prática com a
profissão dos nossos princípios? Está a medida de nossa conduta prática a mesma
altura que a medida da doutrina que professamos? Ai, prevemos a resposta do
leitor sério e reflexivo!
Sabemos muito bem os termos em que ela haverá de
ser expressada. Fica claro que a verdade não atua em nossas consciências como
seria de esperar, que a doutrina não brilha em nossas vidas e que a prática não
está a tom com a nossa profissão.
Falamos por e para nós. Escrevemos estas linhas
num espírito de juízo próprio; na mesma presença de Deus, já que Deus é a nossa
testemunha. É nosso ardente desejo que a espada da verdade penetre em nossa
própria alma e chegue até as mais profundas raízes ocultas dela.
O Senhor sabe o muito que é preferível dar uma
machadada à raiz do eu e deixar que faça o seu trabalho. Sentimos que
temos um sagrado dever a cumprir para com o leitor, assim também como para com
a igreja de Deus; mas também sentimos que esse dever não poderia ser plenamente
cumprido se apresentássemos meramente todo o que há de precioso, todo o que há
de formoso e todo o que há de puro.
Estamos convencidos de que Deus não só quer que a
voz da advertência afete em nossos corações e consciências, senão que também
procuremos exercitar os corações e as consciências de todos aqueles com quem
nos relacionamos.
É verdade que coisas tais como a mundanalidade, a
carnalidade, o relaxamento em todas as facetas da vida cotidiana —no clube, na
biblioteca, em casa, na igreja, etc, a moda e o estilo de vestir, a vaidade e a
insensatez, o orgulho de casta, de talento ou de intelecto e de riqueza, não
podem tratar-se cabalmente.
Nenhuma destas coisas bem sabemos, por certo
podem escrever-se, expor-se ou censurar-se de forma aberta e acabada. Mas,
acaso não podemos apelar à consciência?
Acaso a voz da santa exortação não deve alcançar
os ouvidos de todos nós? Como poderíamos tolerar a relaxação, a indiferença e a
tibieza laodiceana preparando assim o caminho para o ceticismo universal, a
infidelidade e o ateísmo prático, sem acordar a nossa consciência nem tratar de
acordar a dos outros?
Deus nos livre disso! Sem dúvida, o caminho mais
elevado e excelente é que o mal seja sepultado pelo bem, a carne subjugada pelo
Espírito, o eu deslocado por Cristo e o amor do mundo suprido pelo do
Pai.
Tudo isso o cremos plenamente e o admitimos com
inteira liberdade; mas, com tudo, devemos ainda assim urgir nas nossas
consciências e na do leitor a necessidade de submeter-nos, com respeito a toda
a nossa carreira, a um solene e escrutinador exame de coração; a um profundo
julgamento de nós mesmos.
Bendito seja Deus, podemos levar a cabo estes
exercícios diante do trono da graça, diante do precioso propiciatório! "A
graça reina" (Romanos 5:21).
Que preciosa e consoladora verdade! Poderia ela
enfraquecer o valor do julgamento de nós mesmos? De maneira nenhuma! Ela só
poderia infundir em nós o tom e o caráter corretos para este necessário
exercício da alma. Nós temos que ver com a graça triunfante; isto é
precisamente o que nos ensina a não dar liberdade ao eu, senão a
mortificá-lo inteiramente.
Queira o Senhor nos fazer realmente humildes,
zelosos e devotos! Que a expressão íntima do nosso coração seja: "Senhor,
sou teu, somente teu, todo teu, teu por sempre".
Isto pode parecer a alguns uma digressão do nosso
tema principal; mas confiamos que esta pequena divagação que nos temos
permitido não seja em vão, senão que, pela graça de Deus, deixe algum proveito
ao coração e à consciência do escritor e do leitor; e assim estaremos melhor
preparados para entender e apreciar o poderoso ministério de Eliú, ao qual
dirigiremos agora a nossa atenção, confiando-nos à guia de Deus.
O leitor não pode deixar de advertir o duplo
efeito que produz este notável ministério: o seu efeito sobre nosso
patriarca e o seu efeito sobre os seus amigos. Não podia se esperar
outra coisa. Eliú, como já fizemos notar, havia escutado pacientemente os
argumentos esgrimidos por ambas partes.
Ele tinha deixado, por assim dizer, que falassem
até o cansaço, que dissessem tudo o que tinham para se dizer: "Eliú,
porém, esperou para falar a Jó, porquanto tinham mais idade do que ele"
(32:4).
Isto se encontra numa bonita ordem moral. Com
certeza, era o caminho do Espírito de Deus. A modéstia é um ornamento que cai
bem a um jovem.
Tomara que abundasse mais em meio de nós! Quando
a verdadeira dignidade jaz oculta debaixo de um manto de modéstia e humildade,
ela com certeza atrairá os corações com uma força irresistível.
Ao contrario, nada é mais repulsivo que a
temerária confiança em si mesmo, o denodado atrevimento e a arrogância de
muitos jovens de hoje dia. Bom seria que estes jovens considerassem as palavras
introdutórias de Eliú, e imitassem seu exemplo.
TEM CONTINUAÇÃO DIARIAS
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