JÓ E SEUS AMIGOS---PARTE---06
Quão freqüentemente acontece a mesma coisa com nós em nossas discussões e controvérsias! Oh, que tristes manifestações são estas! No noventa e nove por cento dos casos de disputas entre pessoas, acharemos o mesmo resultado que o que vemos entre Jó e seus amigos.
Um pouco de contrição em uma das partes, ou um
pouco de suavidade na outra, contribuiriam de maneira significativa para
solucionar a questão. naturalmente que não nos referimos às situações em que se
vê comprometida a verdade de Deus.
Nestas últimas, devemos ser denodados, decididos
e inflexíveis. Ceder quando está em jogo a verdade de Deus ou a glória de
Cristo, não seria outra coisa senão deslealdade a Aquele a quem devemos tudo.
Clara decisão e uma tenaz firmeza é o único que
nos convêm sempre que se trate dos direitos de Aquele bendito que, para
assegurar os nossos interesses, o sacrificou tudo, até a Sua própria vida.
Que Deus nos guarde de deixar escapar uma palavra
ou de escrever uma única linha que tenda a debilitar a força com que temos
segurado a verdade ou a diminuir o nosso ardor na contenda pela fé que tem sido
uma vez dada aos santos.
Oh, não, querido leitor!; este não é o momento
para afrouxar os lombos, depor os arneses nem rebaixar a medida das normas
divinas. Tudo pelo contrário. Nunca como hoje existiu tão urgente necessidade
de termos cingidos nossos lombos com a verdade, com os pés calçados e mantendo
a norma dos princípios divinos em toda a sua integridade.
Dizemos estas coisas com reflexão. As dizemos a
causa dos múltiplos esforços do inimigo por empurrar-nos fora do terreno da
pura verdade ao nos sinalar as faltas de aqueles que têm fracassado em manter
uma conduta pura.
Ai, ai, ai, há fracassos, tristes e humilhantes
fracassos" não negamos, quem se atreveria a fazê-lo? É demasiado patente,
demasiado flagrante, demasiado grosseiro. O nosso coração se parte quando
pensamos nisto. O homem falha sempre e em todas partes.
Sua história, desde o Éden até os nossos dias,
leva a marca do fracasso. Tudo isto é inegável, mas bendito seja o Seu Nome o
fundamento de Deus está firme, e o fracasso humano não pode tocá-Lo jamais.
Deus é fiel. Ele conhece os seus, e todo aquele
que invoca o nome de Cristo deve apartar-se da iniqüidade (2 Timóteo 2:19). Não
cremos nem podemos crer que para melhorar a nossa conduta devamos abater a
bandeira dos princípios de Deus.
Humilhemo-nos diante dos nossos fracassos; mais
nunca abandonemos a preciosa verdade de Deus. Tudo isto é uma digressão que nos
permitimos com o objetivo de evitar que, ao termos urgido o leitor à
importância de cultivar um espírito quebrantado e dócil, este pudesse ter
inferido que com isso quisemos dizer que é necessário abandonar um Igreja ou um
til da divina revelação.
Agora retornemos ao nosso tema. O ministério de
Eliú tem características muito peculiares e notáveis. Eliú se encontra em
vívido contraste com os três amigos.
Seu nome significa "Deus é ele" e, sem
dúvida, podemos considerá-lo como um tipo de nosso Senhor Jesus Cristo. Eliú
coloca a Deus na cena, e põe fim também às tediosas contendas e disputas que se
sucederam entre Jó e seus amigos.
Ele não discursa baseando-se na experiência;
também não apela à tradição nem profere os acentos da legalidade, senão que
introduz a Deus. É a única forma de pôr fim às controvérsias, de acalmar os
altercados, e de fazer um cesse o fogo numa guerra de palavras.
Ouçamos as palavras desta notável personagem: "Eliú,
porém, esperou para falar a Jó, porquanto tinham mais idade do que ele. Vendo,
pois, Eliú que já não havia resposta na boca daqueles três homens, a sua ira se
acendeu" (32:4-5).
Note-se isto: "não havia resposta".
Em todos os seus arrazoamentos, em todos os seus argumentos, em todas as suas
alusões à experiência, à legalidade e à tradição, "não havia resposta".
Isto é muito instrutivo.
Os amigos de Jó haviam recorrido, por assim
dizer, um amplo campo; tinham falado muitas coisas certas e esgrimido muitas
objeções; porém, note-se bem, não tinham achado nenhuma resposta. Não está
dentro dos alcances da terra nem na natureza achar uma resposta para um coração
que tem segurada a sua própria justiça.
Deus somente pode dar a justa resposta, como
veremos a continuação. Em nenhum outro, senão em Deus, o coração não
quebrantado pode achar uma réplica sempre pronta.
Isto resulta obvio na história que estamos
considerando. Os três amigos de Jó não acharam resposta nenhuma. "E
respondeu Eliú, filho de Baraqueel, o buzita, e disse: Eu sou de menos
idade, e vós sois idosos; receei-me e temi de vos declarar a minha opinião.
Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos
anos ensine a sabedoria. Na verdade, há um espírito no homem, e a inspiração do
Todo-Poderoso os faz entendidos." (32:6-8). Eis aqui que a luz divina a luz
da inspiração começa a fluir sobre a cena e a dissipar as espessas nuvens de pó
que se geraram por uma disputa de palavras.
Tão pronto como este bem-aventurado servo do
Senhor abre seus lábios, se deixam sentir a autoridade e o peso moral das suas
palavras. É evidente que nos encontramos em presença de um homem que fala como
os oráculos de Deus; um homem que se encontra perceptivelmente na presença
divina.
Não se
trata de alguém que recorre à magra adega da sua limitada e deficiente
experiência, nem de um que apela à venerável antiguidade, à desconcertante
tradição ou às contraditórias vozes dos Padres. Não; agora temos ante nós a um
homem que nos coloca de imediato sob a influência do "sopro do
Onipotente".
Eis aqui a única autoridade segura; a única norma
infalível. "Os grandes não são os sábios, nem os velhos entendem o que
é reto. Pelo que digo: Dai-me ouvidos, e também eu declararei a minha opinião.
Eis que aguardei as vossas palavras, e
dei ouvidos às vossas considerações, até que buscásseis razões. Atendendo,
pois, para vós, eis que nenhum de vós há que possa convencer a Jó, nem que
responda às suas razões; Para que não digais: Achamos a sabedoria, Deus o
derribou, e não homem algum.
Ora ele não dirigiu contra mim palavra
alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras. Estão pasmados, não
respondem mais, faltam-lhes as palavras." (32:9-15).
A experiência, a tradição e a legalidade são
barridas fora da plataforma para deixar espaço ao "sopro do
Onipotente", ao ministério poderoso e direto do Espírito de Deus. O
ministério de Eliú bate na alma com uma força e uma profundidade
extraordinárias.
Encontra-se em vívido contraste com o incompleto
e tremendamente defeituoso ministério dos três amigos. Era o remédio para pôr fim
a uma controvérsia que parecia interminável; uma controvérsia entre um férreo
egotismo por parte de Jó, e uma flutuante experiência, uma volúvel tradição e
uma presunçosa legalidade de parte dos seus amigos; uma controvérsia que não
servia para nada, ao menos para Jó, e que acabaria deixando as partes muito
mais enfrentadas do que estavam no princípio.
Porém, essa controvérsia não deixa de ter o seu
valor e interesse para nós. O claro ensinamento que nos deixa é este: duas
partes em disputa jamais poderão chegar a se entenderem a menos que exista, de
uma ou da outra parte, certo grau de quebrantamento e avassalamento do coração.
Esta é a valiosa lição a que todo nós devemos
prestar atenção. Não só no mundo, senão também na igreja, existe uma grande
quota de obstinação e de arrogância; uma grande quantidade de atividades
centradas no homem; uma forte dose de "eu, eu, eu" para tudo;
e isso, além, prevalece onde menos o esperaríamos, a saber, nas coisas que se
relacionam com o santo serviço para Cristo.
Quão repulsivo! Podemos afirmar com absoluta
certeza que nunca o egotismo é mais detestável que quando se manifesta no
serviço de esse Bendito que se despojou a si mesmo, de quem toda a vida foi uma
completa renuncia própria, e quem nunca buscou sua própria glória nem seus
próprios interesses, como também não agradar-se a si mesmo.
Ai!, a pesar de tudo isto, não existe, querido
leitor, largas e estendidas demonstrações deste eu aborrecível e não
subjugado no terreno da profissão cristã e do ministério cristão?
Quem poderia negá-lo? A medida que os nossos
olhos examinam o relato da notável discussão entre Jó e seus amigos,
descobrimos com surpresa que só no que vá dos capítulos 29 ao 31, Jó se
menciona a si mesmo aproximadamente umas cem vezes!
Em resumidas contas, tudo é "eu",
"mi", "me", nestes capítulos. Porém,
dirijamos os nossos olhares a nós mesmos. Julguemos nosso próprio coração em
suas atividades mais íntimas e profundas.
Revistemos nossos caminhos à luz da presença
divina. Coloquemos as nossas obras e serviços sobre a santa balança do
santuário de Deus.
Então, descobriremos quanto há desse detestável eu,
o qual estende-se como um tecido escuro e contaminador por entre todas as
vestes da nossa vida cristã e do nosso serviço cristão.
A que se deve, por exemplo, que sempre que nos
tocam o eu, por mesmo que seja no mínimo, tenhamos tanta predisposição a
assumir uma atitude arrogante? Por que nos ofendemos com tanta facilidade e nos
irritamos tanto ante as repreensões, por muito delicado e doce que seja o tom
dessas?
Por que essa tão forte tendência a ofender-se
ante o menor menosprezo que nos façam? Por que, em fim, nossas simpatias, nosso
respeito e nossas preferências se dirigem com tanta energia a aqueles que têm
um bom conceito de nós, que apreciam o nosso ministério, que estão de acordo
com as nossas opiniões e que adotam as nossas idéias?
Todas estas coisas, não nos dizem nada? Acaso não
nos chamam a despojar-nos primeiramente do nosso grande egotismo, antes de
condenar ao do nosso antigo patriarca? Com certeza que ele não precedeu bem;
mas nós estamos muito mais enrolados no mal.
O fato de que um homem que vivia no escurecido
crepúsculo das distantes épocas patriarcais se visse prisioneiro na armadilha
do orgulho, deveria surpreender-nos muitíssimo menos que o de um santo na mesma
situação, mas sob a luz do cristianismo.
Cristo ainda não tinha aparecido. Nenhuma voz
profética havia chegado ainda aos ouvidos dos homens. Nem sequer a própria lei
tinha sido entregue quando Jó vivia, falava e pensava. Podemos fazer-nos uma
muito ligeira idéia, certamente, do tão tênue raio de luz que alumbrava a
trilha dos homens nos tempos de Jó. Mas nós temos o elevado privilegio e a
santa responsabilidade de andar na luz culminante de um cristianismo cumprido.
Cristo já veio. Viveu, morreu, ressuscitou e
ascendeu aos céus. Ele enviou o Espírito Santo para morar nos nossos corações,
como testemunha de Sua glória, como selo da redenção cumprida e como as
garantias de nossa herança até a redenção da possessão adquirida. O cânon da
Escritura está fechado.
O círculo da revelação está completado. A Palavra
de Deus está concluída. Temos ante nós a história divina de Aquele que se
despojou a si mesmo e que ia de lugar em lugar fazendo o bem; o maravilhoso
relato do que fazia e de como o fazia; do que dizia e de como o dizia; de quem
era e do que era.
Sabemos que Ele morreu pelos nosso pecados,
conforme às Escrituras; que condenou o pecado e o tirou do meio; que a nossa
velha natureza essa odiosa coisa chamada de eu, o "pecado", a
carne tem sido crucificada e enterrada aos olhos de Deus; que se deu fim a seu
poder sobre nós para sempre.
Sabemos, também, que somos participes da natureza
divina; que temos o Espírito Santo que mora em nós, que somos membros do corpo
de Cristo, de sua carne e de seus ossos; que somos chamados a andar assim como
Ele andou; que somos herdeiros da Sua glória, herdeiros de Deus e co-herdeiros
com Cristo.
Continua........
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